sábado, 12 de setembro de 2009

A minha “asfixia democrática”


O período pré-eleitoral português tem sido fortemente marcado pelo caso da “asfixia democrática”, que tanto abrange o silêncio ensurdecedor de Manuela Moura Guedes encomendado pelo governo, como o elogio que preferia silencioso de Manuela Ferreira Leite em relação ao governo madeirense. Aparentemente sentem-se asfixiadas. Eu também me sinto sufocado na minha qualidade de cidadão a viver num regime democrático. Não, não é que sinta uma limitação da minha liberdade de expressão, pois o caso é mais profundo. Sinto falta de liberdade na escolha dos meus governantes e no meu contributo para a composição do órgão de soberania por excelência, a Assembleia. Sinto falta daquilo a que Kant chamara de República, entenda-se Res Publica ou Coisa Pública. Sinto falta de uma reforma que realmente nos encaminhe para o Dèmos Cratein, um verdadeiro governo do povo.


Mas antes de me pronunciar acerca das alterações necessárias, o que é realmente uma democracia? O próprio conceito possui várias acepções, multiplicando-se as perspectivas que sobre ela recaem. Considerando alguns exemplos, para Platão representava uma forma de governo degenerada, onde o povo assumia o poder e espalhava a desordem, para Marx não passava de um regime marcadamente burguês e oposto ao seu socialismo, enquanto que para Montesquieu, que a denominava de República, era um regime cujo valor orientador era a virtude e onde a soberania residia na totalidade ou parte do povo. Eu sempre me senti emocionalmente mais apaixonado pelo contratualismo de Rousseau, de uma democracia directa afecta a uma vontade geral, com os cidadãos a votar em pessoa numa lei que vise o bem-comum. É utópico? Pois é, mas já Gedeão versava que “...sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”. Daí que saibamos que esta democracia talvez nunca venha a existir mas que deve servir de modelo para futuras reformas.


É verdade, a tão defendida e amada democracia ocidental merece uma alteração significativa nas suas instituições de modo a que a sua representatividade dê lugar a uma maior participação da população votante. Para isso considero que o seu progresso assenta em três eixos: I) orçamento participativo, II) independência dos deputados e III) Consulta popular, democracia deliberativa.


Em relação ao orçamento participativo, convém abordar o rumo democrático, do século XX até ao presente. A história da democracia desde o seu surgimento é a história da democracia representativa, consolidada principalmente no século XX, onde sofreu uma notória expansão e atingiu o patamar de pilar do Consenso de Washington lado a lado com o neoliberalismo, sendo ambos impostos no âmbito de programas e empréstimos do FMI, Banco Mundial e outras agências multilaterais. Todavia, esta opção pela eficiência em detrimento da equidade promoveu o aparecimento de exemplos locais de democracia participativa como no Brasil, em Portalegre, que possui desde 1989 um orçamento participativo. Este orçamento pode ser considerado uma viragem na história democrática moderna, no sentido em que os cidadãos escolhem o destino dos recursos presentes no orçamento no âmago das políticas públicas. Actualmente, este processo decisório tem vindo a ser cada vez mais adoptado a nível mundial, embora numa realidade local em complementaridade com a democracia representativa nacional. Este é o primeiro passo que considero essencial ocorrer em todas as democracias mundiais, devendo, na minha opinião ser conciliado a uma organização territorial regionalizada. A população não deve participar unicamente na escolha da elite política.

Outro passo que considero ser de enorme importância para a aproximação do cidadão à vida política é a existência de listas independentes para os parlamentos. Não basta estar prevista nas eleições autárquicas, é preciso estendê-las ao poder central.Talvez devesse mesmo existir uma conjugação entre uma parcela do parlamento confinada a círculos uninominais e a restante parte destinada ao já utilizado sistema proporcional das listas dos partidos, por forma a não desmerecer totalmente a governância em prol da democracia e do pluralismo.

Por fim, uma democracia é feita pelas pessoas, segundo as suas pretensões. Por este motivo, um governo moderno deve apostar em audições públicas e na consulta popular, nem que seja de modo indirecto. Como modelo daquilo a que me refiro apresenta-se a democracia deliberativa de Jürgen Habermas. Esta consiste na constituição de um inventário de problemas sociais, discutidos em fóruns informais pela população culturalmente mobilizada formando uma influência, que por sua vez se transforma em poder comunicativo mediante processos eleitorais. O processo decisório termina com a análise e discussão do poder comunicativo por parte do parlamento, legislando sob influência das arenas de discussão informais já referidas. Habermas pretendia que a equidade própria das discussões proporcionadas pela população suplantasse o critério tecnocrata da elite política.

O modelo democrático é sem dúvida “a pior forma de governo salvo todas as outras experimentadas de tempos em tempos” como diria Churchill. Contudo nada nos pode impedir de tentar desenvolver mecanismos políticos cada vez mais justos e igualitários tentando moderar bem o trade-off entre pluralismo e governação. Deve por isso existir uma evolução operada com os pés bem assentes na terra mas com a meta colocada no céu. Só assim se verificará o que afirmara Abraham Lincoln: “um boletim de voto tem mais força que uma espingarda”.

sábado, 5 de setembro de 2009

Cartões Vermelhos...



É com enorme prazer que respondo ao desafio lançado pela minha cara Austeriana, colega de blogosfera e autora do blog Bichocarpinteiro. Este consiste na atribuição de dez cartões vermelhos a elementos da nossa vivência que consideramos, no mínimo, desprezáveis no alcance da nossa felicidade.

Com base nesta premissa deixo então a minha lista de cartões vermelhos:

1 - Democracia actual.

Alguém acredita que os cidadãos realmente governam? O caso português é um bom exemplo representativo da deficiência do regime democrático. Em boa verdade, estamos limitados pela escolha de partidos, que por sua vez escolhem os programas eleitorais e as listas distritais. Onde está a democracia quando um líder de um partido não aprova a escolha de um nome para cabeça-de-lista de um distrito? Em breve colocarei um post sobre a necessidade de uma reforma à democracia.

2 - Justiça Portuguesa.

É arrepiante a vagarosidade e o sentimento de impunidade que se vive neste país. Este é um problema que não só se reflecte em casos como o da Casa Pia, mas também no temor que as empresas estrangeiras possuem na hora de investir no nosso país. Como exemplo façamos o seguinte exercício de reflexão: se nos EUA, Madoff já foi julgado e condenado, quanto tempo durará o caso BPN?

3 - Não Regionalização.

Este é um tema programático da nossa Constituição, mas que tem sido sistematicamente adiado e ignorado pelas nossas elites governantes. É essencial que se regionalize Portugal em prol de uma melhor resposta às especificidades regionais, do desenvolvimento e do combate à desertificação.

4 - Fait Divers

Num período de extrema importância para a política nacional, é curioso mas simultaneamente repugnante que alguns partidos necessitem de recorrer a assuntos com pouca importância para o eleitor, de modo a atingir um concorrente seu e a recolher votos para si. O cidadão quer propostas eleitorais concretas e um plano para o país, não necessitando de ser distraído dos verdadeiros problemas do país com episódios dignos de filmes de categoria inferior como a espionagem de São Bento sobre Belém.

5 -Sociedade Consumista

Sou um opositor feroz desta sociedade fútil e consumista, adepta da produção em série e da massificação. Os valores sociais têm vindo a ser invertidos e a sua escala começa a substituir o critério dos princípios morais pelo critério de mercado.

6 - Ditadura da imagem

Sem querer entrar no extremismo de defender o desleixo como modo de vida, devo, no entanto, condenar a superficialidade existente na nossa sociedade no momento de avaliação da qualidade ou da capacidade. Com efeito, a imagem de um produto possui uma importância extrema na sua venda ao consumidor sobrepondo-se por vezes ao mérito ou às valências nas relações inter-pessoais. Reparem na importância da imagem na política ou na comunicação social.

No âmbito deste tópico, posso ainda mencionar o patamar de terror alcançado pela moda, ou o esforço hercúleo a que os indivíduos se submetem no intuito de se coadunarem com o padrão de beleza da sociedade.

7 - Demagogia

Quem gosta dela? No entanto, é um dos principais atributos da nossa classe política. Por conseguinte, aconselho vivamente aos cidadãos a analisarem bem as palavras de uma qualquer figura política da nossa praça, de modo a se certificarem se acabaram de ouvir ou ler algo real ou algo que vos agradou.

8 - Irredutibilidade

Quando me refiro à irredutibilidade, pretendo mencionar a atitude de orgulho exacerbado e a falta de humildade na conduta humana. Mudar de opinião ou admitir o erro, quanto a mim não representam fraqueza. Pelo contrário, revelam inteligência e princípios.

9 - Preconceitos

Nesta categoria incluo qualquer juízo pré-concebido, da homofobia ao racismo, passando pela xenofobia, entre outros. Não preciso de me alongar muito na justificação deste cartão vermelho: é a irracionalidade do julgamento sem conhecimento de causa.

10 - Arrogância

Na minha opinião, a noção de superioridade é errada independentemente do critério.



Bem, deixei aqui a minha opinião e espero ter respondido correctamente ao desafio. Em relação aos 5 blogs a quem devo dirigir o desafio, encontro-me numa situação complicada porque não possuo uma numerosa lista de blogs com quem mantenho uma relação privilegiada, sendo que grande parte já foi desafiada. No entanto farei um esforço no sentido de o conseguir. Por agora deixo apenas os meus cartões vermelhos.




imagem: http://www.maisfutebol.iol.pt/multimedia/oratvi/multimedia/imagem/id/1907482/485x400