
Tentando uma definição, talvez arriscasse em acção legal ou ilegal que visa influenciar o poder político, seja na esfera política ou cívica. Contudo, até esta acepção poderia ser alvo de críticas. Daí que, para efeitos deste texto, apenas queira referir a linha ténue que separa uma acção política de uma que não possui essa natureza no domínio das atitudes e comportamentos, aquilo a que Kaase e Barnes incluíram no seu repertório de acção política como uma participação latente que motiva a participação manifesta (acção mensurável). Em suma, vou focar-me no domínio subjectivo da participação política e demonstrar através de dois excertos da obra As mãos sujas de Jean Paul Sartre, o quão curioso é o facto de uma espontânea mudança de atitude distinguir o que acção possui um carácter político. Ora atentem nestes excertos:
"Hugo: Deixa lá, Jessica, deixa. Não te quero mal por isso e não tenho cíumes; nós não nos amávamos. Mas ele, ele é que por um pouco não me apanhava. «Eu te ajudarei, darás um homem muito aceitável.» Que parvo que fui! Ele estava a gozar comigo.
Hoederer: Hugo, será preciso dar-te a minha palavra de honra...
Hugo: Não se desculpe . Pelo contrário: eu até lhe agradeço; assim, uma vez, pelo menos, me terá dado o prazer de o desconcertar. E afinal de contas... afinal... (Precipita-se para a secretária, agarra no revólver e aponta-o a Hoederer.) Afinal o senhor libertou-me.
Jessica, gritando: Hugo!
Hugo: Está a ver, Hoederer? Eu olho para si nos olhos, faço a pontaria, a minha mão não treme e não me importo com o que lhe passa pela cabeça.
Hoederer: Espera! Espera! Não faças asneiras. Por caisa de uma mulher, não! (Hugo dá três tiros. jessica põe-se a gritar. Slick e Jorge entram na sala.) Imbecil! Estragaste tudo.
Slick: Safado!
(Tira o revólver a Hugo.)
Hoederer: Não lhe façam mal. (cai numa poltrona.) Foi por cíumes que ele atirou.
Slick: Que quer isso dizer?
Hoederer: Eu era amante da mulher. (Pausa.) Ah! Que estupidez!
(Morre.)
(Cai o pano)
(...)
Hugo: Oh! Sei muito bem o que me terias dito. Ter-me-ias dito: «Sê modesto, Hugo. As tuas razões, os teus motivos, pouco nos importam. Tínhamos-te pedido que matasses o homem e tu mataste-o. O que conta é o resultado.» Mas eu, Olga... não sou modesto. Não conseguia separar o assassínio dos seus motivos."
O intelectual e idealista Hugo que tinha sido incumbido pelo seu partido proletário de assassinar Hoederer, acaba por fazê-lo por questões meramente passionais. E por um beijo se assassinou um dos líderes do partido. É, ou não, participação política?