quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Thomas Hobbes e a impossibilidade de o povo governar



A compreensão da concepção moderna de democracia representativa pressupõe o estudo do governo representativo e dos principais autores que sobre ele reflectiram, quer do ponto de vista da sua necessidade, quer da sua melhor formulação. Contudo, convém referir que os denominados "fundadores" não perspectivavam o governo representativo como poder nas rédeas do povo mas antes como uma estrutura decisória capaz de dirigir os destinos das massas. Acima de tudo, as instituições políticas eram vista «enquanto mecanismo estrutural de tomada de decisão nas sociedades complexas» (MARTINS, 2008:65).

Por entre os autores do governo representativo, convém referir o nome de Thomas Hobbes, considerado um dos primeiros teóricos acerca da problemática da autoridade política e «um dos primeiros grandes pensadores, depois de Maquiavel, da realidade política e, em particular, o primeiro teórico do Estado representativo» (BARAQUIN, Nöella, LAFFITTE, Jacqueline, 2007: 190). Através da sua filosofia será possível verificar em que medida contribui teoricamente para a concepção de governo representativo.

Para compreender os contributos de Hobbes para a teoria da representação convém referir a sua concepção contratualista assente num pessimismo antropológico. Na verdade, é o estado de natureza caótico e anárquico, próprio da célebre frase “o homem é o lobo do homem” que motiva o contrato social, elemento necessário e imprescindível para a criação do Leviatã, entenda-se Estado. Este é criado pelo consentimento dos homens, que cansados do medo da morte renunciam os seus direitos naturais em favor de um soberano, condição que os obriga a subordinarem-se a qualquer lei artificial de carácter absolutista da monarquia ou assembleia instaurada. Deste modo, e seguindo a teoria da caixa negra, os representantes transferem a sua autoridade para um actor que daí em diante possui toda a autonomia e confiança para agir no âmbito de um mandato representativo e livre. Daqui se conclui que para Hobbes existia uma impossibilidade do povo governar dado que nenhum sujeito «será autorizado a censurar qualquer acção do Estado, porque cada um autorizou previamente essa acção, ou seja, reconheceu-a como sua» (BARAQUIN, Nöella, LAFFITTE, Jacqueline, 2007:193) que a «soberania do Estado é absoluta porque resulta da renúncia dos direitos ilimitados do indivíduo a favor daquele» (BARAQUIN, Nöella, LAFFITTE, Jacqueline, 2007: 193).

Com base nestes pressupostos teóricos de Hobbes, e aplicando-os à representatividade na governação, verifica-se o seu contributo para o princípio do governo indirecto e a defesa de uma elite necessária para a tomada de decisões que não podem estar a cargo do povo. No entanto, e apesar do absolutismo defendido – o que lhe valeu críticas de Locke –, Hobbes contribuiu ainda de outra forma para a teoria do Estado moderno, ao atribuir-lhe o monopólio do direito positivo.



Bibliografia:

Livros

MARTINS, M. Meirinho (2008), Representação Política, Eleições e Sistemas Eleitorais – uma introdução, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais e Políticas.

BARAQUIN, Noëlla et LAFFITE, Jacqueline (2007), Dicionário de Filósofos, Lisboa, Edições 70

Imagens

Capa do Livro Leviatã de Thomas Hobbes, desenhada por Abraham Bosse.

sábado, 12 de setembro de 2009

A minha “asfixia democrática”


O período pré-eleitoral português tem sido fortemente marcado pelo caso da “asfixia democrática”, que tanto abrange o silêncio ensurdecedor de Manuela Moura Guedes encomendado pelo governo, como o elogio que preferia silencioso de Manuela Ferreira Leite em relação ao governo madeirense. Aparentemente sentem-se asfixiadas. Eu também me sinto sufocado na minha qualidade de cidadão a viver num regime democrático. Não, não é que sinta uma limitação da minha liberdade de expressão, pois o caso é mais profundo. Sinto falta de liberdade na escolha dos meus governantes e no meu contributo para a composição do órgão de soberania por excelência, a Assembleia. Sinto falta daquilo a que Kant chamara de República, entenda-se Res Publica ou Coisa Pública. Sinto falta de uma reforma que realmente nos encaminhe para o Dèmos Cratein, um verdadeiro governo do povo.


Mas antes de me pronunciar acerca das alterações necessárias, o que é realmente uma democracia? O próprio conceito possui várias acepções, multiplicando-se as perspectivas que sobre ela recaem. Considerando alguns exemplos, para Platão representava uma forma de governo degenerada, onde o povo assumia o poder e espalhava a desordem, para Marx não passava de um regime marcadamente burguês e oposto ao seu socialismo, enquanto que para Montesquieu, que a denominava de República, era um regime cujo valor orientador era a virtude e onde a soberania residia na totalidade ou parte do povo. Eu sempre me senti emocionalmente mais apaixonado pelo contratualismo de Rousseau, de uma democracia directa afecta a uma vontade geral, com os cidadãos a votar em pessoa numa lei que vise o bem-comum. É utópico? Pois é, mas já Gedeão versava que “...sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”. Daí que saibamos que esta democracia talvez nunca venha a existir mas que deve servir de modelo para futuras reformas.


É verdade, a tão defendida e amada democracia ocidental merece uma alteração significativa nas suas instituições de modo a que a sua representatividade dê lugar a uma maior participação da população votante. Para isso considero que o seu progresso assenta em três eixos: I) orçamento participativo, II) independência dos deputados e III) Consulta popular, democracia deliberativa.


Em relação ao orçamento participativo, convém abordar o rumo democrático, do século XX até ao presente. A história da democracia desde o seu surgimento é a história da democracia representativa, consolidada principalmente no século XX, onde sofreu uma notória expansão e atingiu o patamar de pilar do Consenso de Washington lado a lado com o neoliberalismo, sendo ambos impostos no âmbito de programas e empréstimos do FMI, Banco Mundial e outras agências multilaterais. Todavia, esta opção pela eficiência em detrimento da equidade promoveu o aparecimento de exemplos locais de democracia participativa como no Brasil, em Portalegre, que possui desde 1989 um orçamento participativo. Este orçamento pode ser considerado uma viragem na história democrática moderna, no sentido em que os cidadãos escolhem o destino dos recursos presentes no orçamento no âmago das políticas públicas. Actualmente, este processo decisório tem vindo a ser cada vez mais adoptado a nível mundial, embora numa realidade local em complementaridade com a democracia representativa nacional. Este é o primeiro passo que considero essencial ocorrer em todas as democracias mundiais, devendo, na minha opinião ser conciliado a uma organização territorial regionalizada. A população não deve participar unicamente na escolha da elite política.

Outro passo que considero ser de enorme importância para a aproximação do cidadão à vida política é a existência de listas independentes para os parlamentos. Não basta estar prevista nas eleições autárquicas, é preciso estendê-las ao poder central.Talvez devesse mesmo existir uma conjugação entre uma parcela do parlamento confinada a círculos uninominais e a restante parte destinada ao já utilizado sistema proporcional das listas dos partidos, por forma a não desmerecer totalmente a governância em prol da democracia e do pluralismo.

Por fim, uma democracia é feita pelas pessoas, segundo as suas pretensões. Por este motivo, um governo moderno deve apostar em audições públicas e na consulta popular, nem que seja de modo indirecto. Como modelo daquilo a que me refiro apresenta-se a democracia deliberativa de Jürgen Habermas. Esta consiste na constituição de um inventário de problemas sociais, discutidos em fóruns informais pela população culturalmente mobilizada formando uma influência, que por sua vez se transforma em poder comunicativo mediante processos eleitorais. O processo decisório termina com a análise e discussão do poder comunicativo por parte do parlamento, legislando sob influência das arenas de discussão informais já referidas. Habermas pretendia que a equidade própria das discussões proporcionadas pela população suplantasse o critério tecnocrata da elite política.

O modelo democrático é sem dúvida “a pior forma de governo salvo todas as outras experimentadas de tempos em tempos” como diria Churchill. Contudo nada nos pode impedir de tentar desenvolver mecanismos políticos cada vez mais justos e igualitários tentando moderar bem o trade-off entre pluralismo e governação. Deve por isso existir uma evolução operada com os pés bem assentes na terra mas com a meta colocada no céu. Só assim se verificará o que afirmara Abraham Lincoln: “um boletim de voto tem mais força que uma espingarda”.

sábado, 5 de setembro de 2009

Cartões Vermelhos...



É com enorme prazer que respondo ao desafio lançado pela minha cara Austeriana, colega de blogosfera e autora do blog Bichocarpinteiro. Este consiste na atribuição de dez cartões vermelhos a elementos da nossa vivência que consideramos, no mínimo, desprezáveis no alcance da nossa felicidade.

Com base nesta premissa deixo então a minha lista de cartões vermelhos:

1 - Democracia actual.

Alguém acredita que os cidadãos realmente governam? O caso português é um bom exemplo representativo da deficiência do regime democrático. Em boa verdade, estamos limitados pela escolha de partidos, que por sua vez escolhem os programas eleitorais e as listas distritais. Onde está a democracia quando um líder de um partido não aprova a escolha de um nome para cabeça-de-lista de um distrito? Em breve colocarei um post sobre a necessidade de uma reforma à democracia.

2 - Justiça Portuguesa.

É arrepiante a vagarosidade e o sentimento de impunidade que se vive neste país. Este é um problema que não só se reflecte em casos como o da Casa Pia, mas também no temor que as empresas estrangeiras possuem na hora de investir no nosso país. Como exemplo façamos o seguinte exercício de reflexão: se nos EUA, Madoff já foi julgado e condenado, quanto tempo durará o caso BPN?

3 - Não Regionalização.

Este é um tema programático da nossa Constituição, mas que tem sido sistematicamente adiado e ignorado pelas nossas elites governantes. É essencial que se regionalize Portugal em prol de uma melhor resposta às especificidades regionais, do desenvolvimento e do combate à desertificação.

4 - Fait Divers

Num período de extrema importância para a política nacional, é curioso mas simultaneamente repugnante que alguns partidos necessitem de recorrer a assuntos com pouca importância para o eleitor, de modo a atingir um concorrente seu e a recolher votos para si. O cidadão quer propostas eleitorais concretas e um plano para o país, não necessitando de ser distraído dos verdadeiros problemas do país com episódios dignos de filmes de categoria inferior como a espionagem de São Bento sobre Belém.

5 -Sociedade Consumista

Sou um opositor feroz desta sociedade fútil e consumista, adepta da produção em série e da massificação. Os valores sociais têm vindo a ser invertidos e a sua escala começa a substituir o critério dos princípios morais pelo critério de mercado.

6 - Ditadura da imagem

Sem querer entrar no extremismo de defender o desleixo como modo de vida, devo, no entanto, condenar a superficialidade existente na nossa sociedade no momento de avaliação da qualidade ou da capacidade. Com efeito, a imagem de um produto possui uma importância extrema na sua venda ao consumidor sobrepondo-se por vezes ao mérito ou às valências nas relações inter-pessoais. Reparem na importância da imagem na política ou na comunicação social.

No âmbito deste tópico, posso ainda mencionar o patamar de terror alcançado pela moda, ou o esforço hercúleo a que os indivíduos se submetem no intuito de se coadunarem com o padrão de beleza da sociedade.

7 - Demagogia

Quem gosta dela? No entanto, é um dos principais atributos da nossa classe política. Por conseguinte, aconselho vivamente aos cidadãos a analisarem bem as palavras de uma qualquer figura política da nossa praça, de modo a se certificarem se acabaram de ouvir ou ler algo real ou algo que vos agradou.

8 - Irredutibilidade

Quando me refiro à irredutibilidade, pretendo mencionar a atitude de orgulho exacerbado e a falta de humildade na conduta humana. Mudar de opinião ou admitir o erro, quanto a mim não representam fraqueza. Pelo contrário, revelam inteligência e princípios.

9 - Preconceitos

Nesta categoria incluo qualquer juízo pré-concebido, da homofobia ao racismo, passando pela xenofobia, entre outros. Não preciso de me alongar muito na justificação deste cartão vermelho: é a irracionalidade do julgamento sem conhecimento de causa.

10 - Arrogância

Na minha opinião, a noção de superioridade é errada independentemente do critério.



Bem, deixei aqui a minha opinião e espero ter respondido correctamente ao desafio. Em relação aos 5 blogs a quem devo dirigir o desafio, encontro-me numa situação complicada porque não possuo uma numerosa lista de blogs com quem mantenho uma relação privilegiada, sendo que grande parte já foi desafiada. No entanto farei um esforço no sentido de o conseguir. Por agora deixo apenas os meus cartões vermelhos.




imagem: http://www.maisfutebol.iol.pt/multimedia/oratvi/multimedia/imagem/id/1907482/485x400

terça-feira, 25 de agosto de 2009

1 ano...



É com prazer que celebro este primeiro ano do meu blog. Um blog que me tem servido para desabafar, criar, imaginar e, acima de tudo, filosofar acerca deste meu amor/ódio pelo mundo.

Por este motivo, e ainda que a linguagem humana não possua a capacidade de exprimir as emoções com exactidão, gostaria de agradecer a todos os meus leitores, críticos e amigos pelas interpretações e opiniões que elaboraram acerca dos meus posts, dado que me permitiram crescer e aprender com todos vós.

Continuarei numa inspiração em Espinosa, a procurar a verdade com humildade e através de uma Razão que me permita aceder à inteligibilidade. Com efeito, o meu lema de vida reside num excerto do meu primeiro post: "[S]into-me aberto às minhas falhas para que as possa remediar sempre em busca de mais e novo conhecimento. Como uma janela aberta à lua, às estrelas, ao Universo".



Imagem: http://www.africatodayonline.com/admin/galeria/200808261125-pensador5_dr.jpg

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Discriminação VS Integração Social" ou "O Pessimismo Antropológico VS Emílio"




Uma crise económico-social abala a estrutura social no seu todo. Os seus efeitos nefastos nos bolsos de cada um, têm o condão de soar o alarme em outros domínios da vida colectiva como a segurança. Por sua vez, esta tem sido reflectida no âmbito da sua remediação em detrimento da sua prevenção, ignorando a capacidade humana de socialização e vizinhança enquanto modo de lidar com actividades à margem da lei.

O perfil de parte da população que comete actividades criminais pode ser desenhado da seguinte forma: jovens nacionais ou imigrantes vivendo uma situação problemática. É neste grupo populacional que centrarei o meu texto.

Em relação à juventude no seu sentido transversal e abrangente de todas as nacionalidade cá presentes, a minha primeira prioridade vai para a instrução e qualificação profissional. Em relação à educação, a minha posição coaduna-se coma defesa da gratuitidade até ao término da licenciatura. Na verdade, as bolsas de estudo aos alunos mais carenciados já não chega pois numa situação de crise em que vivemos, estes assumem um número elevado e não são poucos os que realizam um esforço hercúleo no sentido de conseguirem pagar os estudos. Eu tenho conhecimento de causa de terceiros. Para além disso, é gritante a falta de apoio ao primeiro emprego, principalmente agora que o processo de Bolonha retirou o estágio integrado da licenciatura, reduzida a mera plataforma de acesso ao mestrado. Os apoios institucionais são alguns mas pouco publicitados e os poderes locais no máximo da sua dedicação tentam parcerias que garantam gabinetes de inserção profissional e outros cursos que enriqueçam o currículo profissional e estágios profissionais. Porém, a realidade prova que é necessário mais, e a Regionalização - ou uma maior descentralização do poder -, enquanto modo de administração mais centrado nas especificidades de cada região, poderia constituir um próximo passo necessário para atender aos seus problemas característicos, solucionando-os com maior autonomia e com ferramentas suficientes na atracção do investimento e da população.

Em segundo lugar, a a cultura e o lazer também assumem uma importância fundamental na promoção de uma vida mais regrada e feliz para os jovens, podendo muitas vezes evitar trajectos de criminalidade. É imprescindível que os espaços verdes sejam valorizados e os espaços requalificados, para além da promoção do desporto - uma autêntica escola da vida. Uma Casa da Cultura em cada freguesia onde existissem múltiplas actividade que promovessem o encontro inter-geracional e étnico, é um sonho meu que julgo poder um dia ser realizado. Alguns poderão pensar ser uma loucura, mas essa loucura tenderá a ser designada esforço e dedicação quando concretizada. Para terminar, deveriam existir espaços abertos 24 horas, onde os jovens pudessem estudar.

Neste panorama da inserção social, quero também referir-me à particularidade da imigração.

Na entrega formal da Carta Estratégica para Lisboa 2010 - 2024, as palavras do arqt.º Jaime Lerner (consultor das Nações Unidas para Assuntos Urbanos) sobre os desafios actuais das cidades desenvolvidas centraram-se em três questões essenciais: mobilidade, sustentabilidade e sócio-diversidade, realçando a importância de uma política que promova a tolerância da diversidade. De entre estes três tópicos, interessa-me obviamente abordar especificamente o terceiro.

Na minha opinião, o fenómeno da globalização está a colocar o desafio da multiculturalidade às principais pólis mundiais, destinos de imigração de milhares de pessoas provindas maioritariamente de países subdesenvolvidos. A estratégia de integração em muitos casos resultou numa exclusão social das minorias étnicas ou num realojamento em bairros sociais. Esta situação poderia ter sido evitada ou amenizada com uma outra resposta a nível habitacional. Com efeito, defendo que o realojamento dos imigrantes e de outras minorias étnicas deveria ter sido efectuada com base na dispersão de fogos presentes numa determinada cidade, obrigando a convivência de todos os estratos sociais da população. Mas sendo realidade a presença de inúmeros bairros problemáticos, deveriam ser criadas várias comissões especializadas de apoio aos residentes destes, de modo a auscultar os seus problemas.

No campo da imigração devem ser criados ainda mais delegações do SEF e apostar na interculturalidade, tentando unir e valorizar as diferentes etnias presentes em cada autarquia em eventos culturais e festivos.

Estas minhas sugestões assentam na minha crença no Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau. O Homem é naturalmente ingénuo e alvo da corrupção presente na sociedade, podendo ser salvo na sua bondade e genuinidade através da educação. Esta minha visão inspirada na obra Emílio choca com aquela visão deturpada e pouco humanizada que consideram que a criminalidade é apenas fruto da maldade inerente ao homem que pretende ser lobo de outro. Não creio nisto nem no pecado original que defende que o homem é pecaminoso desde a tentação de Eva. Acredito sim num Homem que pode evoluir se tiver condições e oportunidades para isso, porque "A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável".








Imagem: Jean-Jacques Rousseau

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Primeiro Passo...



Numa leitura retrospectiva do meu blog, desde a sua existência, deparei-me com uma lacuna imperdoável. Com efeito, ainda não escrevi até à data qualquer post referente à cultura musical. Com a agravante de eu ser um melómano, amante de vários géneros rítmicos.

Neste contexto, resolvi então abordar o tema referido, publicitando um rapper da linha de Sintra que me parece ter um futuro risonho no caso de estar disposto a trabalhar arduamente. Refiro-me a Mr.Og, uma voz da linha de Sintra que transpira talento e inovação num flow ousado e característico que promete marcar o panorama do Hip-Hop português.

O seu primeiro álbum denomina-se "Primeiro Passo", sendo que a nomenclatura da sua primeira obra baseia-se precisamente na sua primeira experiência num disco a solo. É um álbum egocêntrico, inspirado na musicalidade americana do ramo, mas com traços de originalidade. Na minha opinião, e aproveitando a celebração da chegada da humanidade à lua, espero que este seja um pequeno e primeiro passo para o Mr.Og e um grande salto para o rap português.

A apresentação do álbum será dia 8 de Agosto, na loja The Lab no Chiado, entre as 17 e as 19h. Deixo-vos então um cheirinho do "Primeiro Passo" e uma entrevista aos dois membros fundadores da Big Big Family: King Gi e Mr.Og.














P.S: Não queria, contudo, deixar de referir a crew a que pertence: a BigBig Family. Esta é composta por nomes sonantes e promissores como King Gi, Yannick Tdm, ThugPaxion, Pina G, G-Fema, Mr.Og, Xpress, B-Jay, D-Show e Martinho. Um grupo que espero futuramente ter o gosto e a oportunidade de voltar a centrar as minhas atenções.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Somos animais ideológicos...


A palavra ideologia é talvez o conceito mais deturpado, mal-compreendido e odiado pelos que se assumem como apolíticos ou mesmo anti-políticos. É, segundo estes, a doença que provoca a formatação, que nos impossibilita de convergir numa só direcção em prol do progresso a uma só voz. É, na senda de Francis Bacon, um conjunto de ídolos que nos impedem de atingir a verdade científica.

Contudo, eu discordo totalmente desta visão. A nível científico - e antes de abordar o relativismo científico de Popper ou o historicismo de Thomas Kuhn -, porque sou apologista da visão subjectiva da ciência, numa teoria crítica do conhecimento própria da revolução copernicana da ciência operada por Immanuel Kant. Eu explico: o objecto em estudo está dependente dos nossos valores e crenças, da nossa sensibilidade e do nosso entendimento. Existe assim um conhecimento a priori que é depois testado pelo empirismo a posteriori. A nível socio-político, porque simplesmente somos parciais nas nossas posições devido ao modo como observamos os factos. Estas premissas são a base da minha defesa das ideologias.

Primeiro, desmistifiquemos a terminologia. Num sentido lato, pode ser simplificada como sendo uma hierarquização de valores que nos molda a visão que possuímos do mundo. No sentido mais específico do termo, podemos referir como a aplicação da doutrina na nossa realidade, dotada de um sistema de causa-efeito com peso social.

Com esta definição, os leitores poderão questionar-se se eu não estarei a insinuar que todos nós somos seres possuidores de ideologia. Nada mais acertado. Com efeito, não sejamos ingénuos ao ponto de acreditar na isenção humana. Cada um de nós possui os seus princípios intrínsecos formulados em prioridades, valores e crenças que gostaríamos que assentassem no mundo.

O que acontece é que existem várias ideologias, sendo que muitas nem as associamos ao fenómeno ideológico como o Ecologismo, por exemplo.

Esta minha posição em relação ao tema discorrido tem encontrado ao longo da história, várias correntes opositoras como o nihilismo, o positivismo ou mesmo as teorias do crepúsculo das ideologias. Todavia referir-me-ei a elas numa outra ocasião. Por agora, queria apenas elucidar a presença das ideologias em todos os domínios humanos, seja na ciência ou na política (inclusive em opções que parecem meramente técnicas). Afinal de contas, somos animais ideológicos.



Imagem: Capa do álbum lançado em 1988 pelo cantor de rock brasileiro Cazuza.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O voo do gavião

(da esquerda para a direita: Nélson, Frederico, Nuno, Costa, Tocha e Fábio)


"Meus amigos, esta taça não é apenas um pedaço de metal. Nela estão contidos suor, lágrimas, esforço e dedicação. Ultrapassámos muitos obstáculos. Mas como uma vez me disseram: as gaivotas só repousam para se lançarem em novos voos. Nós não somos gaivotas mas somos os gaviões,
e somos os maiores!"



A palavra futebol nas elites das transacções milionárias e das cotações dos seus agentes, por vezes ofusca a mais bela propriedade do futebol amador: o Sonho ou, se preferirem, a capacidade de abstracção da realidade. Por futebol amador, entenda-se provindo do verbo amar.

Este é o panorama superficial, puro e duro com que nos deparamos. É a (ir)realidade de assistirmos à equivalência de protagonistas de negociatas, que pretendem igualar o protagonismo de um golo de belo efeito a um valor astronómico agitador do mercado de jogadores. Talvez seja mesmo a lei da complexidade crescente aplicada ao futebol, com o surgimento de novos actores - muitos deles corporações económicas - e com a emergência dos clubes-empresas, enquanto outras colectividade com menor propensão para o mercado desaparecem, embora possuam tradição e simbolismo. Já não são os pés sonhadores do menino Ronaldo que jogam, são as suas Mercurial Vapor coloridas.

Contudo, existe um rectângulo localizado num outro planeta futebol, cuja paixão pelo jogo em si, não desaparece. É o planeta daqueles que inclusivamente pagam para jogar, na esperança que o seu contributo embeleze o futebol. Diria mesmo, que é o conjunto de equipas formadas pela emoção e imaginação moldadas em corpos humanos.

Neste mundo novo a que me refiro, descobri nos meus colegas de equipa dos Gaviões, esse futebol em estado puro, dos grandes golos e da grande atitude, em prol de uma vitória que não nos garante prémios milionários. Com efeito, garante-nos honra e reconhecimento, uma recompensa sem valor, porque não há dinheiro que nos compre o amor pelo jogo, entenda-se amadorismo.

Por isso afirmo que, os meus verdadeiros heróis futebolísticos são os meus amigos dos Gaviões, porque foram eles que me provaram que o futebol não tem credos, etnias, religiões ou estratos sociais. São jogadores que depositam em cada jogada, a esperança de um dia melhor, a evasão e abstracção da realidade, o Sonho. Eles sim, demonstraram-me que é possível sobreviver aos problemas e viver em campo sob laços de companheirismo.

Os Gaviões encarnam esta bela citação de Marcel Proust: "Mais vale sonharmos a nossa vida do que vivê-la, embora vivê-la seja também sonhar", dado que repousam na vida para se lançarem em novas conquistas que alimentam, pois são Gaviões que voam com os pés bem assentes na terra.

Em homenagem a eles coloco este texto aqui, porque me fizeram acreditar no contratualismo de Rousseau numa vertente futebolística: foi a estrutura social que corrompeu o Homem, inocente por natureza. Neste caso, foi o profissionalismo, a mercantilização e os jogos de poder presentes no federalismo deste desporto, que apagaram a paixão. Podemos voltar ao estado de natureza? Não. Mas podemos devolver o futebol a outros gaviões, para que o voo envolto num sonho, regresse.





P.S: Dedico este texto à minha equipa dos Gaviões. Espero que consigam concretizar todos os vossos objectivos, porque talento e paixão não vos falta.

P.S 2: A Taça que vencemos prova que, com determinação e vontade, tudo conseguimos. Espero que absorvam esta lição.

P.S 3: Gostaria de agradecer à minha professora Cândida, de História do 9ºano, esta bela frase das gaivotas, proferida na despedida dos seus alunos que iriam voar para um novo ciclo de estudos. Só agora dou real valor a essa citação.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Ideias Soltas: Extinção das funerárias


Não sou um comunista nem um radical de esquerda, mas devo manifestar a minha concordância com uma célebre frase de Marx: "O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora-a". Com efeito, cada vez raciocino mais numa lógica sociológica marxiana de uma Infra-estrutura constituída pelas relações de propriedade e produção, sendo que a classe dominante influencia toda a Superestrutura social mediante a sua ideologia, alienando todas as vertentes da vida colectiva.

Esta formação ideológica materialista está bem patente nas funerárias. Se o Capitalismo apela ao lucro através de negócios que muitas vezes provocam o sofrimento de vivos, então que dizer de uma empresa que lucra através da morte? De alguém cuja fonte de rendimentos depende do falecimento de pessoas, muitas vezes moradoras no mesmo local ou freguesia? Já para não falar nas negociatas com os hospitais, como forma de manter receitas avultadas.

O meu cristianismo recorda-me que todos somos iguais perante Ele, na hora do destino ajustar contas connosco. Se isto é verdade, então qual a razão que suporta a diferença de tratamento nos funerais? O dinheiro? Sem dúvida, experimentem visionar um cemitério de uma perspectiva abrangente e reparem que as campas condizem bastante com o estrato social do falecido.

Defendo, por isso, o igual tratamento na hora fatídica, num evento realizado pela autarquia ou concelho, cujo preço deveria rondar apenas o seu custo de produção, para não se verificar, como Santo Agostinho afirmara, que "os preparativos do funeral, a escolha do túmulo, a pompa fúnebre, mais do que homenagem ao morto, são consolo para os vivos".


imagem: António (cartoonista Expresso).

terça-feira, 31 de março de 2009

Idealismo



Sim sou idealista, o que pode parecer louco em maré de pragmatismo e descrença mundiais. No entanto, sei que se não fosse o Sonho de Luther King e Nelson Mandela ou o Amor de Ghandi e Madre Teresa de Calcutá, ainda que não tenham tornado o mundo num paraíso, tornaram-no um local melhor.

É bom que exista o idealismo e a vontade d'Ele, nem que seja para servir de antítese à civitas diaboli em que vivemos, e permita a realização de um Espírito, de um Geist, que nos faça progredir para um estágio melhor que o anterior.


imagem: 1st Place: Alanzo Moreno and Jonathan Bout, Damien High School, La Verne, CA

segunda-feira, 23 de março de 2009

"A chapada da mão invísivel" e "PSD - Popularucho, Só e Direitista"




«Não tenho estado contra o investimento público, mas contra algum investimento público. Há investimento público de proximidade, que não tem componentes importadas, que não tem encargos para orçamentos futuros e que utiliza mão de obra nacional e que tem efeitos imediatos para o crescimento, com certeza que ninguém está contra ele.»

Manuela Ferreira Leite, líder do PSD



A Humanidade assiste a mais um crash provindo do american business way de Wall Street que tem devastado o mundo e, por conseguinte, a Europa, exceptuando casos como a Eslováquia e a Polónia. A sua origem, à semelhança de 1929 prende-se com o laissez-faire do Marquês de Argenson, desta feita revestido no neo-liberalismo de Milton Friedman, aplicado outrora pela dama de ferro e pelos Chicago boys, compañeros de Pinochet. Com efeito, George Bush foi apenas mais um utilitarista aplaudido pelos gestores e especuladores da Bolsa, que seguiu uma linha económica Lehmann Brothers mais individualista e quase nozickeana, que despreparou uma sociedade, contra a "Teoria da Justiça" de Rawls que agora é relembrado com o Yes, we can de Barack Obama, e oposta ao intervencionismo de Cambridge. Afinal o véu de ignorância deve ser respeitado e aplicado bem como o controlo da economia em sectores estratégicos.

O resultado de tal desregulação que permitiu aos Maddoff's arruinarem inúmeras famílias, permitem pelo menos agora uma nova discussão que nos permita alcançar patamares de entendimento globais que permitam colocar nomos na oikos. Deve ser discutida uma solução que permita não só a resolução da crise a curto como a longo prazo, uma resolução estrutural que permita às famílias defenderem-se do espirro americano, epicentro de todos os sismos capitalistas.

A grande mudança das estruturas ainda agora começou com reuniões do G-20 a aguçar o apetite, e com a proposta dos bancos a comprarem activos tóxicos por parte de Obama. Todavia são já notadas medidas conjunturais de combate à crise que espelham bem a tendência intervencionista e esquerdista de lidar com a ruína humana. Como exemplo temos as nacionalizações do sector bancário, a ajuda às empresas, e o reforço do Estado-Social. Parece que afinal o New Deal e o Keynesianismo não deveriam ter sido esquecidos como reprimenda de uma mãozinha invísivel marota, à moda de Adam Smith.

Em Portugal como em outros países, o panorama tem sido este, embora com propostas que divergem da Esquerda e da Direita do espectro político. Porém, sejam quais forem as opiniões, a Europa e o Uncle Sam, assim como os principais nomes da economia mundial alertam para o facto do perigo do proteccionismo que pode colocar em risco pequenas economias do ponto de vista mundial como a portuguesa.

O mercantilismo moderno, juntamente com o clima pesado da crise representam muitas vezes um perigo de nacionalismo primário.

Neste quadro que aqui foi desenhado, aparece a Dra. Manuela Ferreira Leite. A líder laranja, presente em Paris, num discurso a puxar para o populismo de exaltação patriótica dos emigrantes, profere aquilo que citei acima. O que representa um erro grosseiro não perdoável com a desculpa das más interpretações. Aliás, estas "pérolas" da antiga ministra das finanças não são raras infelizmente. Lembrarei que esta senhora é da opinião que o investimento público apenas emprega PALOP's, que necessitamos de uma ditadura temporária para colocar o país em ordem, que a comunicação social não deve escolher a emissão do seu noticiário - dêem-lhe o lápis azul por favor - e agora, para espanto dos mais desatentos, que o país só deve empregar mão nacional sem componentes importadas. Agora lembrem-se da situação vivida pelos portugueses em Inglaterra para avaliar estas declarações. Para piorar, o que seria de nós sem as contribuições dos imigrantes para a produtividade e contabilidade nacionais! É a campanha "Portugal para os portugueses"? É o "Orgulhosamente Sós"? Para primeira-ministra não sei, mas para líder do PNR, encontra-se muito bem lançada!

O Capitalismo é um paradigma quase que irrefutável, que venceu a guerra-fria do colectivismo - embora permaneçam alguns focos de guerrilha -, e que se apresenta como a melhor solução na distribuição dos recursos escassos. No entanto, este deve ser corrigido e direccionado para o bem-comum, deve complementar a necessidade do mercado externo das pequenas potências externas com a preocupação social. No fundo deve, num elogio aristotélico, ser moderado, para que impeça que um inimigo invísivel nos tenha na sua mão.



imagem: www.sergeicartoons.com







domingo, 22 de março de 2009

Não percebem...


Não percebem que eu não exagero quando digo que o vosso exagero na sociedade do consumismo, consome-me por dentro.

quinta-feira, 19 de março de 2009

No silêncio da noite...



No segredo da noite, confio meus segredos à melancolia. Ela para além de atenta e compreensiva, é boa ouvinte e não possui qualquer preconceito ou ideia pré-concebida. Ela possui uma voz que me entristece e me alegra, me acalma e desperta, numa conversa sem fim. Aliás, talvez procure a Verdade platónica ou a síntese hegeliana na minha dialéctica que espero sempre fechada, embora saiba a impossibilidade de tal acontecer. Afinal de contas, nunca chego a uma conclusão.

Conto-lhe tudo e procuro uma resposta dela. Digo-lhe que quanto mais conheço do mundo, mais o consolo da solidão procuro. Digo-lhe que vozes amigas tenho muitas, cuja força é grande, mas que não conseguem demover-me da minha crença de que sou um fraco sem coragem de dar o passo em frente, quando é necessário. Na verdade, pareço que assisto ao progresso e evolução de todos a uma velocidade estonteante, enquanto permaneço inerte, desculpando-me com o que não tem perdão. Não vale a pena culpar a sociedade e a sua infra-estrutura provocadora de uma super-estrutura viciosa, uniformizadora, suja, cruel e sem escrúpulos. Não vale a pena procurar resposta no humanismo real sartreano, culpando a coisificação de que sou alvo dos outros.

É melhor prosseguir a minha dialéctica com a melancolia agora, porque hoje mais tarde, falarei com Ele, que numa palavra me transforma fraquezas em forças. Contudo, não posso contar nada. É segredo.

terça-feira, 17 de março de 2009

Joseph Fritzl: A outra derrota da modernidade


O dossier azul com que esconde o rosto, não encobre a verdadeira face de Joseph Fritzl, o homem que relembrou-nos que o progresso humano incessante, não passa apenas de um mito, a esperança infundada de uma humanidade que, no ritmo alucinante deste mundo globalizado e portador de nova crise made in EUA, acredita na evolução do globo para uma nova era.

Este senhor teve o condão de demonstrar o quão essas pessoas se iludem. Os crimes monstruosos não são apenas fruto na necessidade ou dos instintos, são afinal também frutos da Razão . Na verdade, os pais da democracia Voltaire, Montesquieu ou Locke, mas principalmente autores como Kant, não fazem qualquer sentido quando revemos documentários afectos ao Holocausto ou lemos noticiários deste caso austríaco.

O Homem afinal não faz uso da Razão apenas para seu desenvolvimento e, por conseguinte, dos seus próximos. Não são os seus desejos de progresso científico que o despertam para uma noção de humanidade, ou o seu imperativo categórico kantiano que acaba por uniformizar as acções bondosas do ser-humano. Não, não e não! O ser-humano é também capaz de elaborar tecnologia que prossiga objectivos monstruosos que envolvam o extermínio ou genocídio. É capaz de de se desumanizar, é talvez capaz de nos demonstrar o nihilismo de Nietzche, que "Deus morreu", mas principalmente que "o Homem morreu", como defendera o estruturalismo francês, fruto das relações sociais opressoras que nos constituem e nos influenciam, fruto da nossa vontade de poder segundo Foucault.

Por isso penso ambiguamente acerca do Homem porque, se até Anne Frank acreditava, apesar de tudo, na bondade humana, e se a minha crença também reside na utopia do Tratado da Paz Perpétua e na minha fé cristã, então devo acreditar como Confúcio, que todo o homem pode ser bom. Contudo outra lição filosófica se impõe com base no pessimismo antropológico de Hobbes: "o homem é o lobo do homem".

quinta-feira, 12 de março de 2009

Nenhum homem é ilegal



O título deste texto baseia-se numa afirmação proferida pela Dra. Ana Martins, representante da AMI, que muito me sensibilizou na última conferência promovida pelo NES acerca da inserção social e minorias étnicas. Tema este do qual discorrerei nos seguintes parágrafos.

O nosso Portugal, país marcado historicamente pela emigração, começou a viver na década de oitenta, o efeito contrário dos fluxos imigratórios de uma forma massiva, principalmente com objectivo laboral. Vários foram os factores de atracção que contribuíram para essa situação, e que são apontados pelo sociólogo Fernando Luís Machado: reforço da política de obras públicas; ausência de mecanismos de restrição; e a formação de redes migratórias. A adesão portuguesa à CEE também possibilitou e facilitou a entrada de uma imigração europeia qualificada e interessada na nossa abertura ao investimento estrangeiro. Mas essa não é relevante para o raciocínio.

Com o advento de vários imigrantes, de onde se destacam os provenientes dos PALOP e do Brasil – e mais tarde, nos anos noventa e seguintes, de asiáticos e europeus de leste – a realidade do nosso país tornou-se cada vez mais complexa e dotada de multiculturalidade, começando a surgirem os efeitos dessa novidade. Com efeito, ainda hoje os impactos da imigração permanecem por ser aprofundados, embora seja certa a contribuição benéfica a nível de contas públicas, para além de uma preciosa ajuda ao combate do envelhecimento na Europa, neste caso Portugal. Todavia existe o outro lado, onde os trabalhos precários começam a ser preenchidos pelas vagas de imigrantes e a paisagem urbanística começa a ser desenhada com bairros de lata (não que fossem inexistentes anteriormente, mas desta feita em maior escala e habitada por estrangeiros). Neste contexto, começam a circular as queixas por parte dos autóctones. No topo das suas acusações prendem-se denúncias de aumento de criminalidade, de crescente desemprego no seio dos nativos (aparentemente “roubado” pela imigração), e concorrência salarial desleal.

Esta conjuntura tem permitido o aparecimento de ondas discriminatórias camufladas em nacionalismos exacerbados e de propostas de restrição da imigração – como aliás o CDS-PP sugeriu recentemente. Daqui parte a questão: a imigração é a fonte dos problemas do país? Ou estamos diante de vergonhosas campanhas xenófobas como a do PNR? Antes de partir para a minha opinião, devo desde já dirigir o meu aplauso a José Sá Fernandes pela proibição do cartaz do PNR referente à imigração. Caro José Pinto Coelho, não é perseguição política, é apenas fidelidade aos valores da nossa Constituição.

Para mim a precariedade e criminalidade violenta cometida pelos imigrantes (embora também seja praticada por portugueses), é fruto de uma razão simples: uma deficitária política de imigração e integração social.

Como já tinha referido, os anos oitenta ficaram marcados pelo péssimo controlo de fronteiras, o que provocou uma subida significativa da taxa de imigração nacional. A este facto se somarmos a política de integração às minorias étnicas que dispúnhamos até à criação dos centros nacionais de apoio ao imigrante (CNAI) em 2002, vislumbramos que aqui reside grande parte da explicação para os problemas provenientes das imigrações. Até essa data, eram notórias a falta de interdependência dos órgãos da Administração Pública e a gritante burocracia dos serviços. Em boa verdade me recordo da angústia de amigos meus que esperavam uma eternidade por um visto de residência que lhes permitisse estudar, trabalhar ou integrar actividades culturais e desportivas. Para piorar o cenário, muitos foram os bairros sociais criados para albergar as minorias, sem qualquer tipo de critério e susceptíveis de discriminar quem lá vive. Convido qualquer um a visitar, e garanto-vos que entrarão num mundo aparte. A integração em países como a Suiça, podem servir de lições para Portugal ou França. Na verdade, muitos dos jovens criminosos são já portugueses e por isso nascidos na realidade do isolacionismo.

Poderia ainda referir o que para mim constitui uma discriminação a nível dos Media. Bastará atentar no conteúdo da ficção nacional para percebermos que as minorias não estão representadas.

O ideal é uma política de controlo e de integração fortes, que nos possibilitem arrecadar todos os benefícios da imigração e diminuir os seus prejuízos. Todavia sem extremismos e sem criar um Estado-fortaleza ou uma Europa-fotaleza na concepção de Sarkozy. Para mim, fechar as portas à imigração é colaborar com crises humanitárias como conflitos militares ou crises climáticas e alimentares que devastam várias regiões do terceiro-mundo.

A questão é estrutural e envolve uma melhoria dos serviços de integração prestados que progressivamente está a ser realizada, até porque os laços de solidariedade social defendidos pelo socialismo democrático moderno também passam por este apoio aos mais necessitados, que acabam de pisar solo português. No entanto é de elogiar o magnífico trabalho realizado pelas várias organizações de apoio à imigração e comunidades minoritárias. Tive o prazer de me deslocar com o meu camarada André à Cova da Moura e presenciei o excelente trabalho efectuado pelo Moinho da Juventude. São estes exemplos que dão razão a Boaventura Sousa Santos, que muito bem defendia que Portugal possui um Estado-Providência fraco mas uma sociedade civil forte.

P.S: Dedico este texto ao meu amigo Eucride Varela, cobardemente e brutalmente assassinado no Colégio Pina Manique. Um rapaz de sorriso humilde e com orgulho nas suas raízes são-tomenses, mas completamente integrado na nossa sociedade. Um exemplo para todos.


Também disponível em http://www.nes-iscsp.blogspot.com/


Cartoon de Cristina Sampaio - Vencedora do primeiro prémio na categoria de cartoon editorial do World Press Cartoon 2007.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Africa News



A minha navegação via web matinal reservou-me uma surpresa bastante agradável. Com efeito, enquanto procurava noticiários referentes aos vários continentes, eis que me deparo com este grande site relativo às novidades e culturas africanas. Para quem como eu, aprecia a investigação deste continente-berço da humanidade, ficará satisfeito com o conteúdo.

Deixo-vos então o site: http://www.africanews.com/




Pintura de Kiki Lima

quinta-feira, 5 de março de 2009

Tenho que para mim...


Tenho que para mim
Tudo tem início, meio e fim.


Tenho que para mim

Buscamos início para introdução

Em vista de algo que conclua

Um desenvolvimento de um meio

Para se atingir um fim.


Todavia, o início é desenvolvimento

Porque na formação de um início

Este é uma introdução do nada,

Sendo que nada é algo,

Esse algo é um meio de chegar a um início,

Ao mesmo tempo que se conclui,

Sendo fim, o próximo início em desenvolvimento.


Porém, visamos algo, um fim

Porque não haveria início ao desenvolvimento

De algo sem visar uma conclusão.

Por isso, tudo tem um fim.

Eu tenho o fim de iniciar uma introdução

Que me possibilite ter como fim o desenvolvimento

De uma conclusão para o meu fim.


Tenho que para mim

Tudo tem início, meio e fim.

Mas sempre iniciando um desenvolvimento

Que me permita chegar a um fim

Que se traduz num novo início.


Tenho que para mim...


Casapio di Caffi

Investimento no futuro...

É com enorme prazer e confiança num futuro melhor, que assisti ao objectivo proposto pelo primeiro-ministro José Sócrates. Refiro-me obviamente à universalização da pré-escolaridade em concertação com as autarquias e as IPSS.

Como eu já tinha escrito num texto anterior, a educação é a base que sustenta os valores e estimula a capacidade dos seus cidadãos na criação de uma sociedade mais competitiva e competente, algo que está a ser realizado por esta governação socialista através de inúmeras medidas como o programa Novas Oportunidades, o Plano Tecnológico com os programas e.escolas e e.escolinhas, a avaliação do desempenho dos professores, entre muitas outras. É caso para dizer que finalmente existe um governo que coloca a reforma da educação como prioridade para o nosso país.

Com esta proposta socialista, não está apenas em causa a melhoria da educação e da formação dos cidadãos, mas também uma orientação rumo à igualdade de oportunidades e da justiça social. Constitui para as famílias com menos posses, a colocação dos seus filhos no ensino pré-escolar numa conjuntura de crise económica profunda.

Não quero, contudo, deixar de felicitar o investimento público inerente a esta medida, que garantirá maior emprego. Com efeito, gastos na educação não são despesas mas investimento.

Devemos por isso, aplaudir mais este avanço rumo a um futuro mais risonho, que certamente dará frutos ao nosso país. O próximo passo poderá ser a gratuitidade do material escolar até ao secundário e a obrigatoriedade do 12º ano.

Neste panorama de depressão mundial, é necessária a mudança para um paradigma que se afirme como a melhor resposta aos obstáculos presentes na economia global. Neste sentido, partilho da opinião de Mário Soares, que afirmou numa entrevista com a Constança Cunha e Sá, que o mundo caminha para um esquerdismo, porque essa é a melhor opção. Sem dúvida. Depois da depressão de 1929 e a reforma de um capitalismo selvagem; depois da queda do muro de Berlim e desmistificação do colectivismo; e finalmente, depois de uma crise financeira que se traduziu numa multiplicidade de problemas económicos e sociais e na falência do modelo neoliberal, deparamo-nos agora com aquela que parece ser a solução político-social mais acertada: o socialismo democrático.