terça-feira, 30 de março de 2010

"As mãos sujas" da participação política...



A abstracção do conceito de participação remete semanticamente a acção de tomar parte de, o que dificulta a sua conceptualização e operacionalização em relação à política. Com efeito, a generalidade e complexidade que lhe estão inerentes origina variadas divergências reflectidas em diferentes correntes de opinião, dificultando a percepção do que é de facto a participação política.

Tentando uma definição, talvez arriscasse em acção legal ou ilegal que visa influenciar o poder político, seja na esfera política ou cívica. Contudo, até esta acepção poderia ser alvo de críticas. Daí que, para efeitos deste texto, apenas queira referir a linha ténue que separa uma acção política de uma que não possui essa natureza no domínio das atitudes e comportamentos, aquilo a que Kaase e Barnes incluíram no seu repertório de acção política como uma participação latente que motiva a participação manifesta (acção mensurável). Em suma, vou focar-me no domínio subjectivo da participação política e demonstrar através de dois excertos da obra As mãos sujas de Jean Paul Sartre, o quão curioso é o facto de uma espontânea mudança de atitude distinguir o que acção possui um carácter político. Ora atentem nestes excertos:

"Hugo: Deixa lá, Jessica, deixa. Não te quero mal por isso e não tenho cíumes; nós não nos amávamos. Mas ele, ele é que por um pouco não me apanhava. «Eu te ajudarei, darás um homem muito aceitável.» Que parvo que fui! Ele estava a gozar comigo.

Hoederer: Hugo, será preciso dar-te a minha palavra de honra...

Hugo: Não se desculpe . Pelo contrário: eu até lhe agradeço; assim, uma vez, pelo menos, me terá dado o prazer de o desconcertar. E afinal de contas... afinal... (Precipita-se para a secretária, agarra no revólver e aponta-o a Hoederer.) Afinal o senhor libertou-me.

Jessica, gritando: Hugo!

Hugo: Está a ver, Hoederer? Eu olho para si nos olhos, faço a pontaria, a minha mão não treme e não me importo com o que lhe passa pela cabeça.

Hoederer: Espera! Espera! Não faças asneiras. Por caisa de uma mulher, não! (Hugo dá três tiros. jessica põe-se a gritar. Slick e Jorge entram na sala.) Imbecil! Estragaste tudo.

Slick: Safado!

(Tira o revólver a Hugo.)

Hoederer: Não lhe façam mal. (cai numa poltrona.) Foi por cíumes que ele atirou.

Slick: Que quer isso dizer?

Hoederer: Eu era amante da mulher. (Pausa.) Ah! Que estupidez!

(Morre.)

(Cai o pano)

(...)

Hugo: Oh! Sei muito bem o que me terias dito. Ter-me-ias dito: «Sê modesto, Hugo. As tuas razões, os teus motivos, pouco nos importam. Tínhamos-te pedido que matasses o homem e tu mataste-o. O que conta é o resultado.» Mas eu, Olga... não sou modesto. Não conseguia separar o assassínio dos seus motivos."


O intelectual e idealista Hugo que tinha sido incumbido pelo seu partido proletário de assassinar Hoederer, acaba por fazê-lo por questões meramente passionais. E por um beijo se assassinou um dos líderes do partido. É, ou não, participação política?

sexta-feira, 5 de março de 2010

Prioridades...



Deixem-me falar-vos em clichés. Os clichés são inúmeras vezes suportes do politicamente correcto ou do pouco aprofundamento reflexivo em relação a determinada temática. No entanto, e analisando a presente situação do país nas suas mais variadas vertentes, tenho de aplicar um: «a vida é feita de prioridades». E não tenho outro remédio senão hierarquizar os problemas deste nosso cantinho à beira-mar plantado.

Vejamos alguns dos problemas actuais da nossa sociedade: implicações da austeridade do futuro programa do PEC, pressões dos mercados internacionais sobre a nossa dívida externa, efeitos ruinosos da catástrofe natural ocorrida na ilha da Madeira em vidas humanas e prejuízo financeiro, a assustadora taxa de desemprego e...o suposto 'polvo' que visava tentacular os órgãos de comunicação social portugueses, agora averiguado por uma comissão ética.

Em relação aos fenómenos relatados, quase me apetece desafiar o leitor a jogar ao "elemento que não se coaduna com os restantes". Talvez este exercício facilite o vislumbre daqueles que considero os verdadeiros desafios que Portugal enfrenta e para os quais devemos estar atentos.

Não, não é que considere que a manipulação da imprensa não é um obstáculo grave à democracia de opinião prevista na Constituição. A questão é como tem sido tratado o escândalo pelas próprias figuras envolvidas no processo. A abordagem que tem sido feita não me agrada minimamente e desmotiva-me de tentar encontrar uma resposta para as interrogações que guardo face a esta temática.

Por esta razão ignoro as chamadas do primeiro-ministro para o Rei Juan Carlos, até porque aconselho a que estes devam ter em mente outras prioridades.