quinta-feira, 12 de março de 2009

Nenhum homem é ilegal



O título deste texto baseia-se numa afirmação proferida pela Dra. Ana Martins, representante da AMI, que muito me sensibilizou na última conferência promovida pelo NES acerca da inserção social e minorias étnicas. Tema este do qual discorrerei nos seguintes parágrafos.

O nosso Portugal, país marcado historicamente pela emigração, começou a viver na década de oitenta, o efeito contrário dos fluxos imigratórios de uma forma massiva, principalmente com objectivo laboral. Vários foram os factores de atracção que contribuíram para essa situação, e que são apontados pelo sociólogo Fernando Luís Machado: reforço da política de obras públicas; ausência de mecanismos de restrição; e a formação de redes migratórias. A adesão portuguesa à CEE também possibilitou e facilitou a entrada de uma imigração europeia qualificada e interessada na nossa abertura ao investimento estrangeiro. Mas essa não é relevante para o raciocínio.

Com o advento de vários imigrantes, de onde se destacam os provenientes dos PALOP e do Brasil – e mais tarde, nos anos noventa e seguintes, de asiáticos e europeus de leste – a realidade do nosso país tornou-se cada vez mais complexa e dotada de multiculturalidade, começando a surgirem os efeitos dessa novidade. Com efeito, ainda hoje os impactos da imigração permanecem por ser aprofundados, embora seja certa a contribuição benéfica a nível de contas públicas, para além de uma preciosa ajuda ao combate do envelhecimento na Europa, neste caso Portugal. Todavia existe o outro lado, onde os trabalhos precários começam a ser preenchidos pelas vagas de imigrantes e a paisagem urbanística começa a ser desenhada com bairros de lata (não que fossem inexistentes anteriormente, mas desta feita em maior escala e habitada por estrangeiros). Neste contexto, começam a circular as queixas por parte dos autóctones. No topo das suas acusações prendem-se denúncias de aumento de criminalidade, de crescente desemprego no seio dos nativos (aparentemente “roubado” pela imigração), e concorrência salarial desleal.

Esta conjuntura tem permitido o aparecimento de ondas discriminatórias camufladas em nacionalismos exacerbados e de propostas de restrição da imigração – como aliás o CDS-PP sugeriu recentemente. Daqui parte a questão: a imigração é a fonte dos problemas do país? Ou estamos diante de vergonhosas campanhas xenófobas como a do PNR? Antes de partir para a minha opinião, devo desde já dirigir o meu aplauso a José Sá Fernandes pela proibição do cartaz do PNR referente à imigração. Caro José Pinto Coelho, não é perseguição política, é apenas fidelidade aos valores da nossa Constituição.

Para mim a precariedade e criminalidade violenta cometida pelos imigrantes (embora também seja praticada por portugueses), é fruto de uma razão simples: uma deficitária política de imigração e integração social.

Como já tinha referido, os anos oitenta ficaram marcados pelo péssimo controlo de fronteiras, o que provocou uma subida significativa da taxa de imigração nacional. A este facto se somarmos a política de integração às minorias étnicas que dispúnhamos até à criação dos centros nacionais de apoio ao imigrante (CNAI) em 2002, vislumbramos que aqui reside grande parte da explicação para os problemas provenientes das imigrações. Até essa data, eram notórias a falta de interdependência dos órgãos da Administração Pública e a gritante burocracia dos serviços. Em boa verdade me recordo da angústia de amigos meus que esperavam uma eternidade por um visto de residência que lhes permitisse estudar, trabalhar ou integrar actividades culturais e desportivas. Para piorar o cenário, muitos foram os bairros sociais criados para albergar as minorias, sem qualquer tipo de critério e susceptíveis de discriminar quem lá vive. Convido qualquer um a visitar, e garanto-vos que entrarão num mundo aparte. A integração em países como a Suiça, podem servir de lições para Portugal ou França. Na verdade, muitos dos jovens criminosos são já portugueses e por isso nascidos na realidade do isolacionismo.

Poderia ainda referir o que para mim constitui uma discriminação a nível dos Media. Bastará atentar no conteúdo da ficção nacional para percebermos que as minorias não estão representadas.

O ideal é uma política de controlo e de integração fortes, que nos possibilitem arrecadar todos os benefícios da imigração e diminuir os seus prejuízos. Todavia sem extremismos e sem criar um Estado-fortaleza ou uma Europa-fotaleza na concepção de Sarkozy. Para mim, fechar as portas à imigração é colaborar com crises humanitárias como conflitos militares ou crises climáticas e alimentares que devastam várias regiões do terceiro-mundo.

A questão é estrutural e envolve uma melhoria dos serviços de integração prestados que progressivamente está a ser realizada, até porque os laços de solidariedade social defendidos pelo socialismo democrático moderno também passam por este apoio aos mais necessitados, que acabam de pisar solo português. No entanto é de elogiar o magnífico trabalho realizado pelas várias organizações de apoio à imigração e comunidades minoritárias. Tive o prazer de me deslocar com o meu camarada André à Cova da Moura e presenciei o excelente trabalho efectuado pelo Moinho da Juventude. São estes exemplos que dão razão a Boaventura Sousa Santos, que muito bem defendia que Portugal possui um Estado-Providência fraco mas uma sociedade civil forte.

P.S: Dedico este texto ao meu amigo Eucride Varela, cobardemente e brutalmente assassinado no Colégio Pina Manique. Um rapaz de sorriso humilde e com orgulho nas suas raízes são-tomenses, mas completamente integrado na nossa sociedade. Um exemplo para todos.


Também disponível em http://www.nes-iscsp.blogspot.com/


Cartoon de Cristina Sampaio - Vencedora do primeiro prémio na categoria de cartoon editorial do World Press Cartoon 2007.

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